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Joe Lovano por Luciana Souza

Especialmente para a Folha de São Paulo, a cantora brasileira Luciana Souza entrevista o saxofonista Joe Lovano, destaque do Tim Festival. Joe Lovano é considerado um dos saxofonistas mais importantes do mundo. Nascido em Cleveland, Ohio, filho de outro saxofonista, Lovano ganhou destaque no cenário musical como líder em meados dos anos 80, deixando uma marca forte como improvisador. Ele tocou com alguns dos músicos mais importantes do jazz e hoje, décadas depois, se vê continuamente moldando o jazz moderno. De seu tenor saem sons da mais sublime técnica (fundamentada no bebop e no pós-bop), mas não é esse seu verdadeiro ponto forte. Seu talento maior está na conexão direta com o coração e no jeito de contar histórias com o instrumento. Tendo dividido o palco com Lovano [atração do Tim Festival, em outubro, no Rio, em Vitória e em SP], pude testemunhar sua capacidade surpreendente de estar de corpo e alma dentro da música, contando histórias por meio do som.

LUCIANA - Parece que seu pai, por ter sido saxofonista, exerceu papel importante em sua vida. A criação que você teve ainda o afeta? JOE LOVANO - A inspiração dele continua viva até hoje, e muito forte. Não só sua música e seu jeito de tocar, mas como ele me abriu a porta e me ensinou a ensinar música a mim mesmo e a encontrar meu caminho no jazz e na música em geral. Ele tinha uma grande coleção de discos com a qual cresci, e aquilo foi belo. Ele era generoso.
LUCIANA - Você sempre homenageia músicos que o ajudaram. Que lições aprendeu com gente como Lonnie Smith, Chet, Woody ou Mel, na Vanguard Orchestra? LOVANO - A gente encontra momentos de beleza com músicos diferentes que têm uma paixão profunda. Quando penso nisso, me emociono. Minha música e meu jeito de tocar são um reflexo dos lugares onde já estive como músico em turnê e dos lugares onde já estive musicalmente, em fases diferentes, com várias pessoas.Desde os primórdios, quando toquei com Lonnie Smith, até vir para Nova York e gravar com ele no estúdio, recebendo sua confiança numa idade tão jovem -eu tinha 20, 21 anos-, me deixando sentir que era minha sessão de gravação, sabe? Ao longo dos anos, tocar com Woody Herman, Mel Louis, Chet Baker e os outros que você mencionou, logo no início de minha carreira, me deu confiança e me lançou para fazer da minha carreira o que ela se tornou. Colaborações com mestres, Ed Blackwell, Hank Jones e John Scofield, sabe? Isso é inspirador. E se reflete e continua vivo em tudo o que eu faço.

LUCIANA SOUZA - Nos projetos que você mantém vivos -como as explorações com [Bill] Frisell e [Paul] Motian, e também o trabalho com o seu noneto-, qual é o papel da composição? JOE LOVANO - Para mim, improvisar é a abordagem de tocar com uma interpretação livre da melodia, dentro de estruturas harmônicas. Tem a ver com ser criativo com o material e tentar ser livre com a música para que você possa relaxar e reagir ao som e a tudo que o cerca. O trio com Paul Motian e Bill Frisell, que estamos fazendo agora no Village Vanguard, é uma exploração belíssima de todos os tipos de música: composições originais, música de Thelonious Monk, standards. É emocionante tentar ser criativo dentro de determinado repertório. Agora, meu noneto, com o qual vou ao Brasil, também tem músicos muito inspirados. Vamos tocar materiais de meus últimos três álbuns com essa banda: "52nd Street Themes", que recebeu um Grammy, "On This Day... at the Vanguard", e o meu CD mais recente, "Streams of Expression".

LUCIANA - Você é visto como um dos improvisadores de jazz mais destemidos. Como professor, que tipo de conceitos e exercícios de improvisação passa para seus alunos? Você ainda trabalha em cima dessas coisas ou apenas mantém a linguagem em movimento pelo fato de ser um instrumentista tão ativo? LOVANO - O repertório é uma das coisas mais importantes para o músico desenvolver um conceito e uma abordagem dentro do mundo da música. E para desenvolver um repertório dentro de seu próprio conceito e abordagem, para que tenha um cabedal profundo de material que o inspire a desenvolver idéias, melodicamente e dentro da harmonia, para que possa sentir as coisas e ser melodicamente expressivo de maneira lírica. É preciso também uma concepção profunda do estudo do ritmo e do desenvolvimento de sua abordagem para poder ser livre dentro deste mundo de ritmos em que vivemos, para que as pessoas possam tocar juntas e acertar a batida com qualquer tipo de música que seja tocada.
LUCIANA - Você também é baterista. Poderia me falar um pouco sobre a importância do ritmo em sua música, ou do quanto você foca no ritmo quando compõe ou improvisa? LOVANO - Bom, eu diria que é um foco total. Há um equilíbrio igual no foco entre os aspectos rítmicos de como você monta melodias, os aspectos harmônicos-rítmicos em que cabem os acordes, e como as coisas podem avançar nesse sentido. Tocando bateria ao longo dos anos, estudando os grandes bateristas... Meu pai me disse desde cedo que eu tocaria com grandes bateristas e com grandes pianistas. Então é preciso entender o que eles fazem. Mas a bateria, para mim, existiu desde sempre. Todo músico precisa ter um senso profundo de ritmo.
LUCIANA - Nos últimos tempos você anda viajando com uma banda composta de músicos muito mais jovens. Pode contar como vem sendo essa experiência? LOVANO - O jazz é a música das experiências multiculturais e multigeracionais. No meu caso, eu sempre era o cara mais jovem nas bandas. Com o passar do tempo, você vai se desenvolvendo, e a situação se inverte.
LUCIANA - Esta será a primeira vez em que você vai ao Brasil [Lovano se apresenta dia 26/10 no Rio; 27/10 em Vitória e 28/10 em São Paulo]? LOVANO - Não. Já estive no Brasil, tocando, umas cinco ou seis vezes. Estive no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Maceió. Estou ansioso para voltar. Minha primeira visita ao Brasil aconteceu há uns dez anos. Eu amo e respeito a música brasileira. Também já tive o prazer de gravar e tocar com artistas maravilhosos, como Hermeto Paschoal, Joyce, Miúcha e muitos outros talentos fantásticos, como você mesma.