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J. T. Meirelles - O Rei do Samba-Jazz

O saxofonista João Theodoro Meirelles, conhecido por J.T. Meirelles, que formou, com Manuel Gusmão (baixo), Luiz Carlos Vinhas (piano), Dom Um Romão (bateria) e Pedro Paulo (trompete) o célebre grupo instrumental Copa 5, morreu na terça-feira de madrugada, no Rio. O músico sofria de problemas no estômago, que não chegaram a ser diagnosticados por médicos, conforme contaram amigos seus. Meirelles foi encontrado já sem vida pela ex-mulher e a filha, por volta das 7h30 da quarta-feira. Foi neste horário que as duas chegaram ao apartamento em que ele morava - justamente para levá-lo a um hospital, onde o instrumentista seria submetido a exames. Ele tinha 67 anos. O enterro, na tarde desta quarta-feira (o4 de junho de 2008), no Cemitério do Catumbi, foi acompanhado por músicos de sua geração, como o pianista Osmar Milito e o saxofonista Nivaldo Ornelas, e admiradores mais jovens. "Ele tinha certa resistência a procurar um médico. A família fez força nesse sentido, para que fosse feito um diagnóstico preciso, mas não conseguiu", lamentou o pianista Rafael Vernet, que tocou com Meirelles até o ano passado. "Ele teve uma importância indiscutível para a música brasileira e felizmente teve esse reconhecimento, no final da vida", continuou Vernet, referindo-se ao relançamento de discos do saxofonista, que motivou uma série de shows pelo País e o deixou "muito contente." Meirelles iniciou sua carreira profissional aos 17 anos de idade, tocando saxofone no conjunto de João Donato. Em seguida, mudou-se para São Paulo (SP), onde atuou com o pianista Luís Loy. De volta ao Rio de Janeiro, formou o grupo instrumental Copa 5, com o qual se apresentou no Bottle's Bar do Beco das Garrafas (RJ), executando suas próprias composições. Em 1963, escreveu o arranjo musical da gravação original de Mas que nada, primeiro grande sucesso de Jorge Ben (hoje Jorge Benjor). Seu saxofone tenor está também em outra gravação histórica da MPB: Quintessência - clássico do samba-jazz regravado à exaustão pelos grupos instrumentais dos anos 60. O trabalho com Jorge Benjor obteve grande repercussão e lhe valeu o convite, por parte do produtor musical Armando Pittigliani, da Companhia Brasileira de Discos (hoje Universal Music), para integrar o cast de artistas da gravadora. Em 2005, em entrevista ao Estado por ocasião de um disco inédito, Esquema Novo (gravadora Dubas), Meirelles falou de seu arranjo mais famoso, para a canção Mas que nada, de Jorge Ben Jor. "É como em New York, New York. Você ouve aquilo e já sabe o que vem", compara Meirelles. Meirelles contou que procurava ter sempre a mesma "atitude ingênua" que tinha aos 20 anos em relação à música. "Não tínhamos som, luz, mídia, mas ainda assim era a música que a gente gostava de fazer. Tinha consciência de que a palavra jazz tinha ligação direta com a cultura americana. Foi o veículo em que aprendi a tocar e a me desenvolver como músico. Hoje a minha preocupação é fazer as coisas cada vez mais simples e com mais brasilidade, mas sem desviar daquilo que já vinha fazendo." Em 2001 a Dubas relançou seus primeiros álbuns, O Som (1964) e O Novo Som (1965). Coincidiu com a redescoberta do samba-jazz por uma nova geração de músicos e ouvintes. No ano seguinte, veio o inédito Samba Jazz!!, também pela Dubas. "Essa redescoberta me surpreendeu porque continuo fazendo a mesma coisa de sempre. Durante 30 anos não levava a sério a música instrumental, não achava que se podia viver disso, pior ainda com uma conotação jazzística", avalia. "Quando decidi fazer isso de novo, minha primeira atitude foi refletir sobre os instrumentistas que assumiram posições de artistas. Músico toca de tudo, mas como artista você tem de se definir." (Fonte: Roberta Pennafort para o Estado de São Paulo).

Israel Cachao López (1918-2008)

Israel "Cachao" López, uma das figuras mais representativas da música cubana, morreu neste sábado (22 de março de 2008) em Miami, aos 89 anos, vítima de uma doença renal, informou seu porta-voz. Baixista e compositor excepcional e considerado um dos criadores do mambo, "Cachao" López nasceu em Havana, em 1918. O falecimento ocorreu na madrugada deste sábado, no Hospital de Coral Gables, após uma semana de complicações renais, disse o porta-voz Nelson Albareda. "Cachao" obteve fama mundial a partir da década de 30, como um astro do mambo e do jazz latino. Ao lado do irmão Orestes López, "Cachao" produziu inúmeros sucessos e conquistou dois prêmios Grammy, em 1995 e 2005, além de um Grammy Latino, em 2003, junto a outros dois grandes da música cubana, Bebo e Patato Valdez. Mambo - Aos 20 anos, "Cachao" escreveu uma canção com Orestes que chamou de "Mambo", mesclando a música cubana com um estilo afro, criando um ritmo mais lento que o corrente na Ilha, mas igualmente irresistível. Hollywood se rendeu ao talento de "Cachao" e lhe deu uma estrela na Calçada da Fama. Em 1993, Andy García fez o documentário "Cachao... Como seu ritmo não há outro". "Cachao" era tio e mestre de Orlando "Cachaíto" López, um dos astros do Buena Vista Social Club. Emilio e Gloria Estefan, quem tiveram a ajuda de "Cachao" no ano passado no disco "90 Millas", farão uma homenagem ao músico, que será enterrado na quarta-feira, em Miami. O mestre do mambo abandonou Cuba em 1962, três anos após a revolução de Fidel Castro chegar ao poder. Após uma breve passagem pela Espanha, "Cachao" chegou aos Estados Unidos, por Nova York, antes de ir para Las Vegas e finalmente a Miami, na década de 80, onde tocou com astros como Tito Puente e Gloria Estefan. Quando sua carreira parecia encerrada e sobrevivia tocando em festas e casamentos, "Cachao" voltou à tona nos anos 90, com o boom da música latina nos Estados Unidos e a difusão do documentário de Andy García. Revigorado, gravou novos álbuns, incluindo "Ahora sí" (2004), que lhe deu o último Grammy. Fonte: (Folha de São Paulo).

Henri Salvador (1917-2008)

O cantor e grande nome do jazz francês Henri Salvador morreu nesta quarta-feira (13) aos 90 anos em sua casa, em Paris, vítima da ruptura de um aneurisma, anunciou sua gravadora, a Polydor (Universal). Veterano da música francesa, compôs e interpretou numerosas canções populares como "Syracuse", "Une Chanson Douce", "Zorro est Arrivé", "Le Lion est Mort ce Soir", "Faut Rigoler", "Juanita Banana", "Le Travail, c'est la Santé", entre outras. O cantor, nascido em 18 de julho de 1917 em Caiena (Guiana), se despediu do público no Palácio dos Congressos em Paris em dezembro de 2007. Henri Salvador se apresentou durante os anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) no Brasil e em outros países sul-americanos, quando integrava a célebre orquestra de Ray Ventura. Nos anos 50 introduziu o rock and roll na França, cantando sob o pseudônimo de Henry Cording, ao mesmo tempo que gravou canções de jazz como guitarrista. Segue resenha do All Music Guide sobre o músico: Henri Salvador enjoyed one of the longest careers of any French cabaret artist, debuting professionally in the mid-'30s and recording — with satisfying results — all the way into the new millennium. For much of his career, Salvador was known for his jazzy guitar work, his comic talents, and novelty songs, and a distinct Brazilian influence in his brand of chanson. A star in France since the end of World War II, Salvador shifted into children's music for much of the '70s before reclaiming his old audience. He reinvented himself again with 2000's Chambre de Vue, a gentle, nostalgic collection of love songs that, thanks in part to the Buena Vista Social Club phenomenon, was reissued in America by the legendary jazz label Blue Note. Salvador was born on July 18, 1917, in Cayenne, French Guiana. His father came from Spanish stock and his mother was descended from Caribbean natives, and both had been born on the island of Guadeloupe. The family moved to Paris when Salvador was seven, and at age 11, he discovered American jazz via Louis Armstrong and Duke Ellington. He started playing the guitar, influenced primarily by the great gypsy jazzman Django Reinhardt, and at age 16 landed his first professional gig with Paul Raiss' orchestra. In 1935, he began performing with a jazz quartet at Jimmy's Bar, a popular cabaret. In addition to establishing his talents as a comedian, this exposure led to a gig with American violinist Eddy South in 1936, and also a meeting with his idol Django Reinhardt, for whom he served as accompanist for a brief period. Salvador's promising career was interrupted by World War II; he enlisted in the military in 1937 and served for four years. He quickly found work with Bernard Hilda's Cannes-based jazz orchestra, and from there was hired by orchestra leader Ray Ventura for his comic presence. Ventura's group spent much of the remainder of World War II touring South America, particularly Brazil, with an act highlighted by Salvador's vocal impressions of Popeye. He performed his first solo shows in Brazil in 1942, and when he returned to France after the war in 1945, he decided to embark on a solo career. Salvador's time in Brazil helped him break away from his dominant Reinhardt influence, and he incorporated elements of samba into much of his subsequent work. He started his own group and, in 1947, cut his first solo sides for Polydor, including "Clopin Clopant," "Maladie de l'Amour," and "Ma Doudou." The following year, he appeared in the operetta Le Chevalier Bayard alongside Yves Montand. In 1949, Salvador was awarded the prestigious Grand Prix du Disque de l'Académie Charles Cros on the strength of two hits, "Parce Que Ça Me Donne du Courage" and "Le Portrait de Tante Caroline." He followed them with one of his all-time classics, "Le Loup, la Biche, et le Chevalier (Une Chanson Douce)." Salvador spent much of the early '50s giving live performances, both in France and abroad. He moved over to the Philips label in 1952 and issued the LP À Pleyel in 1955. Late the following year, he made his first appearance in the United States, right in the midst of the rock & roll craze. After appearing on The Ed Sullivan Show, Salvador returned to France and hooked up with songwriting partner Boris Vian. Adopting the pseudonym Henri Cording, Salvador began writing rock & roll songs with Vian and recording them with a group dubbed the Original Rock and Roll Boys. Oddly humorous novelty numbers like "Rock and Roll Mops" and "Le Blues du Dentiste" gave France some of its earliest exposure to the new music. Salvador moved to the Barclay label in 1958, but unfortunately, Vian passed away the following year, having collaborated on over 400 songs with Salvador in their brief but hugely productive partnership. Salvador soldiered on, culling another live album, Alhambra, from his performances at the titular venue in 1960. He embarked on a successful 12-week run on Italian television in 1961, which encouraged him to concentrate almost exclusively on that medium for his live performances. He and his wife Jacqueline started their own music publishing company and label, Disques Salvador, and he quickly boosted them with a hit, "Le Lion Est Mort Ce Soir," in 1962. He followed that with the Monsieur Boum Boum LP in 1963, and subsequently started a new label, Rigolo, that would be the home of a series of hit singles from 1964-1968: "Syracuse," "Zorro Est Arrivé" (an adaptation of the Coasters' "Along Came Jones"), "Le Travail C'est le Santé," "Juanita Banana," "Veunise," "Quand Faut Y Aller, Faut Y Aller," and "Mon Pote le Blues," among several others. Salvador closed out the '60s with a series of popular television specials, as well as the LP C'est Beau de Faire un Show in 1969. In 1971, Salvador morphed into a children's singer with an original song that recounted the plot of the Disney film The Aristocats. The resulting album, Henri Salvador Chante 'Les Aristochats' et le Monde Merveilleux de Disney, helped him win his second Grand Prix du Disque. Over the next five years, Salvador recorded five more children's albums that relied heavily on Disney films, in particular tackling Snow White and the Seven Dwarfs, Robin Hood, and Pinocchio; he also made recordings of LaFontaine's fables. Following his wife's death in 1976, Salvador returned to adult music, issuing two albums — Salvador 77 and Les Canotiers — over the next two years. In 1979, he recorded Salvador/Vian, a tribute album for Boris Vian that revisited 12 of their best-known works. Salvador en Fête followed in 1980, recapping some of his most celebrated moments on record. After this burst of activity, Salvador slowed his pace a bit, concentrating more on television performances and his return to the concert stage in 1982. The latter was documented on the double-album Live du Spectacle de la Porte de Pantin. In 1984, Salvador retired his label — in part because his wife had always handled most of its everyday operation — and signed with EMI/Pathé Marconi, for whom he debuted with 1985's all-new Henri. The French songwriters union SACEM honored him with its Grand Prix de l'Humour in 1987, and the following year he was knighted as a Chevalier in the Legion d'Honneur. A new album, Des Goûts et des Couleurs, appeared in 1989 and proved to be his last for EMI. Salvador kicked off the '90s by returning to his roots in jazz and blues. He appeared at the Montreux Jazz Festival in 1991, and two years later performed with the great French jazz pianist Michel Petrucciani. In 1994, he signed a new deal with Sony and traveled to New York to record the jazzy Monsieur Henri album; the live Casino de Paris followed a year later. In 1996, he received a special lifetime achievement award at the Victoires de la Musique Awards, where he performed a duet with Ray Charles. After resting comfortably on his laurels for several years, Salvador returned to recording in 2000 with Chambre de Vue, a high-profile comeback that featured a number of promising young songwriters, a duet with Françoise Hardy, and some of Salvador's first self-penned material in quite some time. A gentle, delicate, romantic fusion of French pop and bossa nova, Chambre de Vue was a huge hit with the French public; it also won him Best Male Artist and Album of the Year awards at the Victoires de la Musique. The recent success of the Buena Vista Social Club album and documentary in America had suddenly made hot commodities of older foreign musicians, and in 2002, Blue Note reissued Salvador's album under its English title, Room with a View. Meanwhile, Salvador embarked on a triumphant tour of France and, later, North America. He returned with a similar-sounding follow-up, Ma Chère et Tendre, in 2003, and three years later Révérence, an album that was recorded mostly in Brazil and included duets with Caetano Veloso and Gilberto Gil, came out.

Humphrey Lyttelton (1921-2008)

O trompetista britânico de jazz Humphrey Lyttelton morreu nesta sexta-feira (25 de abril de 2008), aos 86 anos, após ser submetido a uma operação, informou a BBC News. Lyttelton começou a tocar trompete em 1936 e até recentemente seguia atuando com seu grupo. O trompetista gravou com Sidney Bechet, em 1949, e colaborou com Buck Clayton. Em 1956, sua composição "Bad Penny Blues" foi o primeiro título britânico de jazz a entrar na lista dos 20 mais vendidos. Segue resenha do All Music Guide sobre o músico: The grand old man of British jazz, trumpeter and bandleader Humphrey Lyttelton spearheaded the postwar trad-jazz revival before renouncing the movement in favor of more contemporary and restless creative vision—a larger-than-life figure, he also excelled as a writer and cartoonist, and for decades was a fixture of radio, serving as the hilariously deadpan host of the long-running "I'm Sorry, I Haven't a Clue." Born in Eton on May 23, 1921, Lyttelton was the product of a distinguished and wealthy family—a lifelong jazz enthusiast, he received his first trumpet at age 15 and formed a band with some Eton College classmates. He also studied military drumming under a former Coldstream Guards drum major and joined the school band as a percussionist. Lyttelton enlisted in the British Army on D-Day and saw combat in Italy—on leave in London he sat in with local jazz bands, and upon returning to civilian life in 1945 he enrolled at the Camberwell School of Art. In March 1947, he signed on with semi-professional trad-jazz combo George Webb's Dixielanders; when Dixielanders clarinetist and professional cartoonist Wally Fawkes was promoted to write and illustrate a full-fledged daily strip for The Daily Mail, Lyttelton was tapped to fill Fawkes' previous position sketching "column-breakers"—i.e., humorous or decorative drawings inserted into the text. He also reviewed jazz and classical recordings for the newspaper, and later scripted the Fawkes-drawn strip Flook as well.

A música deixou de ser importante na música

Saudades do século 20”, proclama o título de um dos livros de Ruy Castro, uma deliciosa coletânea de perfis de músicos, atores e atrizes que marcaram o século passado. Grande parte da obra do escritor e jornalista (nascido em Caratinga, Minas Gerais, mas carioca de adoção e paixão), na verdade, poderia ganhar esse epíteto. As principais manifestações artísticas e culturais do período, principalmente as de Brasil e Estados Unidos, passaram pela pena de Ruy: a bossa nova (“Chega de saudade”, “A onda que se ergueu no mar”), a literatura (“O anjo pornográfico”), o futebol (“Estrela solitária”, “O vermelho e o negro”), o Rio de Janeiro (“Ela é carioca”, “Carnaval no fogo”), Carmen Miranda (“Carmen”), a música dos grandes compositores americanos e o cinema de Hollywood (“Saudades do século 20”). No romance “Era no tempo do rei”, lançado em novembro de 2007 pela Objetiva/Alfaguara, Ruy Castro viaja um pouco mais, até a chegada da corte portuguesa ao Brasil, e imagina um encontro entre um imberbe D. Pedro I e Leonardo, personagem eternizado por Manuel Antônio de Almeida em “Memórias de um sargento de milícias”. Em território mais conhecido de Ruy, chegou às lojas também no ano passado “Tempestade de ritmos” (Companhia das Letras), compilação de artigos sobre jazz e música popular brasileira e norte-americana que abrange cerca de três décadas de produção na grande imprensa.

Em entrevista ao Último Segundo, o jornalista fala sobre os dois livros mais recentes e sobre o futuro da indústria musical.

Você lançou há poucos meses o seu segundo trabalho de ficção adulta (após “Bilac vê estrelas”), “Era no tempo do rei”. Por ser um romance histórico, o processo de feitura do livro foi parecido com o das suas biografias, baseado em muita pesquisa? O que diferencia o biógrafo do ficcionista no processo de pesquisa e escrita? Onde entrou a imaginação?

Nas minhas duas principais incursões pela ficção (“Bilac” e “Era no tempo do rei”), descobri que é difícil mudar as pintas do leopardo. Apesar de dispor de toda a liberdade do mundo – uma liberdade que o biógrafo não tem – e de poder inventar à vontade, nem assim dispensei a pesquisa. Estudei a fundo o Rio daquele período da chegada da Corte, li mais de 50 livros a respeito e aprendi tanto que poderia ir à televisão para responder num programa de perguntas sobre o assunto. Mas não posso minimizar a minha maneira de tratar essa pesquisa. Alguns personagens reais e absolutamente exuberantes, como a prostituta Barbara dos Prazeres, o major Vidigal e o inglês Sir Sidney Smith, por exemplo, foram descritos de maneira a parecer que foram inventados. E os inventados, como o vilão Jeremy Blood, os pilantras Calvoso e Fontainha, as ciganinhas, os capoeiras etc, foram descritos com tal seriedade que ficaram parecendo reais. Foi de propósito.

Quase sempre que D. Pedro é utilizado como personagem, principalmente pela televisão, é tratado como aquela figura histriônica, ninfomaníaca e irresponsável. O seu livro, ainda que de leve, resvala um outro D. Pedro, negligenciado pela mãe em favor do irmão e que vive solitário pela corte. Se você fosse abordar a vida adulta dele, teria evidenciado esses outros aspectos do personagem?

Dependeria de toda uma nova pesquisa que eu fizesse sobre ele. Para construir o D. Pedro adolescente, usei as informações mais ou menos correntes sobre a sua personalidade adulta. Com todo o seu temperamento meio estróina, ele foi um grande homem, e eu quis que ele fosse também um grande menino. Pensando bem, que bom para nós que ele tivesse sido estróina!

Era no tempo do rei” é dedicado a vários autores e compositores cariocas e tem, como principal personagem, a cidade do Rio de Janeiro. O que ainda sobrevive daquele Rio de 200 anos atrás no Rio atual?

Em matéria de arquitetura, muita coisa, como vai se ver brevemente quando as restaurações dos monumentos e igrejas ficarem prontas. E várias das pessoas a quem dediquei o livro estão vivíssimas: Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony, Ivan Lessa, Aldir Blanc e outros que considero "herdeiros de Manuel Antonio de Almeida" e que não nomeei. Isso significa que aquele jeito de narrar, entre sério e airoso, que sempre caracterizou a ficção carioca e a melhor ficção brasileira, continua vivo. Na verdade, todo carioca, principalmente na Zona Norte e no Centro da cidade, é meio personagem do Maneco de Almeida. Pena que, fora do Rio, só o cidadão e o estilo de vida da Zona Sul sejam conhecidos. Mas, se você for a uma feijoada na Muda da Tijuca ou a um samba na Gamboa, é como se estivesse se transferindo para o Rio do passado.

Lendo os textos de “Tempestade de ritmos”, o seu outro livro lançado em 2007, é impossível não constatar sua desilusão com os rumos que a música popular tomou nas últimas décadas. A sofisticação e ironia de grandes compositores do cancioneiro americano e a técnica dos grandes músicos de jazz foram substituídas por letras repletas de palavrões, desafinações, rimas pobres e bases sampleadas por DJ’s. A que você atribui esse empobrecimento?

Acho que tem a ver bastante com a amplificação dos instrumentos, que, depois que começou, em meados dos anos 50, não parou mais. O negócio é tocar muito alto, não importa o quê. Ao mesmo tempo, a música deixou de ser importante na música e passou-se a privilegiar excessivamente o visual. E, finalmente, a estética do feio derrotou a estética da beleza. Mas veja bem: se os garotos só querem ouvir pancadaria, isso é com eles. Não ligo o rádio para ouvir rap, não vou a festas rave e, para mim, na minha casa e na dos meus amigos, a música continua uma maravilha.

Você parece nutrir um ódio particular pelo jazz feito a partir da metade da década de 60, mais especificamente a partir do advento do free jazz, mais atonal, e do fusion, que une o gênero ao rock. Mas como você escreve em “Tempestade de ritmos”, recentemente o jazz de apelo mais tradicional tem ressurgido com força. Você acha que isso é um bom sinal? Não acha que visões como a de Wynton Marsalis, que defende um completo retorno às raízes e respeito à tradição, pode estagnar um tipo de música caracterizada pela inovação e liberdade?

Não, você se engana. Não tenho ódio por nada ou por ninguém. Acho o ódio o fim. Além disso, não sou músico, não tenho capacidade para julgar certas coisas. O free jazz, por exemplo, nunca entendi. Já o be-bop, que alguém me acusou outro dia de não gostar, sempre foi o jazz com que mais me identifiquei. Torci por Wynton Marsalis na briga dele com o Miles Davis [na década de 80 os dois trompetistas se envolveram em uma polêmica sobre o futuro do jazz: Davis militava pela constante renovação do gênero ao misturá-lo a outros ritmos, enquanto Marsalis defendia a volta às raízes acústicas], mesmo reconhecendo que o Miles era muito melhor – mas a fusion roqueira precisava ser derrotada, como foi. Eu sabia que, depois de vencer a parada, Wynton não saberia o que fazer com a música. E não soube mesmo. Estão pipocando as comemorações dos 50 anos da Bossa Nova. Com tantas interpretações diferentes sobre ela – samba com jazz, música de consultório de dentista, a cara do Brasil, o gênero que não soube se reciclar –, ainda há o que se dizer sobre a bossa ou o assunto se esgotou?

Não, hoje há mais Bossa Nova do que nunca. O que se esgotou para mim foram aquelas perguntas, as mesmas de sempre: quando surgiu a Bossa Nova, quem inventou a Bossa Nova, de onde vem a palavra Bossa Nova? Meu Deus, ninguém fica perguntando isso em relação ao jazz, ao baião, ao cateretê! E você pode não acreditar, mas ninguém torce mais do que eu para que a Bossa Nova se recicle – desde que sobre as fundações do passado. Dou uma entrevista por dia sobre Bossa Nova, o pessoal no Japão, na Alemanha e nos Estados Unidos não sai de cima, e o meu livro “Chega de saudade” vai sair em abril na Espanha (depois de ter saído nos EUA, Japão, Alemanha e Itália) e em edição de bolso no Brasil, no que será a sua 25ª reimpressão só aqui.

Qual a sua opinião sobre o futuro da indústria fonográfica? Com a música digitalizada e os downloads, o formato disco tende a acabar?

O disco, por incrível que pareça, acabou mesmo, não? Entrei outro dia numa loja em São Paulo e parecia que eu estava entrando numa tumba. Aqui no Rio, a Modern Sound, talvez a melhor loja de discos do mundo no seu tamanho -- algo entre uma megastore e uma loja em que os vendedores conhecem todos os clientes -- talvez se transforme num bistrô musical. Hoje pode-se baixar qualquer coisa, de Britney Spears, que é o máximo do lixo, até Mabel Mercer, que é o máximo da sofisticação. Então, para quê disco? Apesar de eu ter acabado de dizer isto, você talvez esteja falando com uma das últimas pessoas que ainda compram discos -- não só CDs, mas também LPs e aceitam até 78s de quem tem para dar!

Ainda sobre a tecnologia: ao mesmo tempo em que o MP3 enfraquece o disco, hoje temos acesso a materiais sensacionais de grandes músicos do passado, desde caixas com vários CDs de gravações inéditas até raridades até então desconhecidas ou esquecidas em estúdios e bibliotecas. Onde se encontram e como dialogam o Ruy Castro amante do século 20 com o Ruy Castro colecionador dessas novas maravilhas?

Pois é, continuo comprando essas caixas enormes, com encartes altamente informativos e bem escritos. Na verdade, não tenho MP3 e acho o iPod uma aberração – para que vou levar minha discoteca comigo numa viagem? Será que não posso passar um mês sem ouvir meus discos preferidos? Posso, sim, e, quando viajo, gosto de saber o que tocam por onde vou.

Você sempre escreveu com propriedade sobre vários assuntos: música, cinema, literatura. Assim como outros jornalistas da sua geração. Hoje é difícil encontrar essa amplitude de conhecimento nos críticos. Falta especialização nos jornalistas culturais hoje?

Não sei, estou por fora das redações. Há vários garotos escrevendo bem. O fato de me interessar por música, cinema e literatura (além de história, comportamento, futebol, sexo etc) mostra que eu também não tinha uma especialização.

O tão comentado jornalismo colaborativo é uma conseqüência dessa falta de competência dos repórteres e críticos? Acredita que os blogs podem influenciar a produção do jornalismo cultural?

O que é "jornalismo colaborativo"? Essa aula eu perdi! Quanto aos blogs, podem, sim, influenciar tudo. Aliás, já estão influenciando. Antigamente, qualquer um podia escrever, mas só quem era bom publicava. Hoje qualquer um escreve e publica. Vai demorar um pouco para que os bons se distingam dos não tão bons.

Que jornalistas, críticos, cronistas ou colunistas você lê atualmente, do Brasil ou de fora?

Leio três jornais por dia, quatro no fim de semana e, às vezes, cinco, quando me chega de Búzios o “Peru Molhado”. Donde, leio e gosto de muita gente. Não quero citar nomes, para não omitir colegas que admiro. E passo o dia grudado nos jornais on-line, embora lamente que esse veículo maravilhoso esteja se limitando a manchetizar as notícias, quando tem espaço de sobra para comentá-las à vontade.

Serviço

“Era no tempo do rei”
Ruy Castro
245 páginas
Objetiva/Alfaguara
Preço sugerido: R$ 36,90

“Tempestade de ritmos”
Ruy Castro (organização de Heloisa Seixas)
415 páginas
Companhia das Letras
Preço sugerido: R$ 52,00

Postagem gentilmente cedida por Jonas Lopes (Gymnopedies)